Contados por Eugênia Morais

Um final,enfim, feliz!

No dia  em que se conheceram, o universo todo conspirava a favor: pássaros cantavam alegremente, o sol brilhava em seu maior esplendor, e a lua surgiu  cor de prata  aspergindo purpurina por entre as nuvens. Em todos os jardins do mundo,só haviam flores e perfume no ar.Tudo na maior harmonia  e cumplicidade entre eles e a natureza. Foi amor à primeira vista. Belos,jovens e saudáveis, beirando a perfeição até, pareciam dois personagens saídos de um livro de Contos de Fadas. Um amor sim, com ares  aristocráticos. E foi assim que elegeram-se príncipe e princesa.Ao mesmo tempo,sem perceberem, despertaram inveja,raiva e outros sentimentos mesquinhos,por onde caminhavam. Mesmo assim seguiram felizes,despreocupados,amando-se e vivendo momentos mágicos ,até que um dia  começaram a acontecer  uns pesadelos terríveis,  que aos poucos sobrepujaram sonhos, destruindo aquele amor, e  levando a princesa chorosa para bem longe do príncipe,deixando-a inatingível.Aconteceu a separação irrevogavelmente... Dias intermináveis de dor e saudade. Anos talvez? Ninguém sabe quanto tempo se passou. Só se sabe que o  universo,negramente  silenciou  em respeito a dor do provável fim de  tão belo amor. A princesa derrocada, totalmente entristecida,já sentia seu coração quase desfalecendo de saudade e dor.Parecia o fim, quando eis que, desesperado de amor, o príncipe morto, ressurgiu das cinzas,tal qual o pássaro fénix ,surpreendendo a tudo e a todos, desafiando  os obstáculos com sua espada de aço, disposto a cortar todas as amarras , e a  matar todos os monstros devoradores do seu amor pela sua princesa.Nas mãos ,trazia  um buquê de rosas vermelhas,sua arma mais sutil.No coração,  palavras doces de arrependimento. E foi assim,que o príncipe voou de volta ao coração da princesa,tirando-a da escuridão e exaurindo suas dores e  lágrimas. Pulsou-lhe vida, imutavelmente. E ela, como em nenhuma outra hora, sentiu-se tão bela, tão princesa e tão plena!A primavera espalhou-se serenamente pelo jardim que os cercava. E o universo voltou a conspirar com aquela felicidade reintegrada.À noite, a lua , abeirando-se por trás da montanha, veio espiar sorrateiramente a vitória daquele amor, chegando minutos   antes daquele encontro que eternizaria  a vida deles, transformando aquela história,enfim,num final feliz  e sempiterno.
A vitória final de uma história  de  amor que quase acabou, é mais linda , abençoada e brilhante do que qualquer começo ou meio de qualquer história de amor...
Eugênia Morais

Qualquer semelhança NÃO é de forma alguma mera coincidência.Tudo isso aconteceu,me inspirando a condensar essa longa e linda história de amor, em um miniconto.
Beijos e parabéns a vocês,meus queridos e amados  príncipes lindos!

Pássaro perdido

Era um fim de tarde naquele cartório lotado de gente, esperando o chamado do número da senha.
O burburinho comum de lugares assim, de repente,silenciou, com aquela cena  que estava acontecendo.
Voando graciosamente cartório adentro,para lá e para cá ,um sanhaço-cinzento com seu agito natural,resolveu fazer um pouso para descanso.Logo atrás,veio um homem para agarrá-lo, e levá-lo para que voasse rumo ao céu, o seu lugar. De modo sorrateiro,o homem aproximou-se do local do pouso, e falou timidamente para a dona do lugar onde o pássaro resolvera pousar:  - Dá licença? Vou pegar algo aqui no bolso traseiro da sua calça..Pegou-o, e mais do que rapidamente correu ligeiro,com o sanhaço nas mãos , deixando  atônita e pasma a mulher, sem nada entender. No caminho, ainda conversou com a ave macho,que já entoava feliz um assobio flauteado, e lhe disse  que as nádegas da mulher não era frutinho da embaúba ,não.Naquele dia, ficaram registrados para sempre, os  gritos enloquecidos, xingamentos de safado,descarado,desavergonhado e  o desespero da mulata de traseiro avantajado,onde o inocente passarinho resolvera pousar.Por pouco,pouquíssimo, quase dá cana para o "salvador dos pássaros perdidos",naquela tarde insólita,no cartório.

Solidão virtual


Reservara aquele pedaço de rua, para navegar.Começava a teclar sob os primeiros raios de sol, e só terminava quando a lua vinha dar-lhe boa-noite,expulsando-a da calçada.Tinha como assídua companhia, a solidão, e como estava sempre virada para o céu, mantinha-se longe demais dos olhos reais. Porém, cada vez mais perto da internet.Toda vez que teclava, os dedos doiam.Cada vez que lia uma mensagem, a cabeça explodia de dor, e os olhos ardiam como fogo.As frases enviadas, e as palavras recebidas pareciam encetar uma guerra perversa,sem possibilidades de paz real.Queria sair de tudo aquilo e ir viver,mas não conseguia desligar-se da conexão.Sentindo que a sua vida estava presa por um fio,sorveu um copo de  suco de beterraba com avidez, na esperança de depurar o que ainda a fazia sentir-se viva, e real: seu sangue.


Premonitória nupcial

 O pai, a mãe, os cinco irmãos e até a vizinha,lhe avisaram,mas mesmo assim ela acreditou que aquele homem tiraria dela ,a sensação de solidão que a sufocava há anos. Precisava se casar!Reservou o terraço para celebrar a cerimônia,acreditando piamente que o sol secaria alguma lágrima, se preciso fosse derramada.E, enquanto o padre esperava que o noivo pronunciasse o sim tão desejado,eis que ela num ímpeto gritou um sonoro "não" ,que ecoou por toda a cidade.Pedaços do véu rasgado acompanharam o som do seu grito,caindo com estrondo no chão da calçada.













.








Camisa de força


Ninguém compreendia a loucura dele por tanto amor,por ela. Nem ela. A infeliz zombava dos seus sentimentos, mas mesmo assim ,amou-a tanto, até que  a última gota de sanidade mental esvaísse da sua cabeça. Não tinha outra alternativa, escravizaria o seu coração e humilharia aquele sentimento.Naquela tarde fria de domingo,tirou as roupas que cobriam seu corpo trêmulo,correu para a rua, e começou a gritar ensandecido no meio da praça, para que alguém trouxesse uma camisa de força.
Só assim teria as  mãos,braços,peito e coração atados para sempre.
Não! Não abriria mais seus braços,tampouco seu coração, para ela. E, enfim, iria se sentir  livre de tudo aquilo, e seria apenas lembrado como mais um extravagante,  que tanto amou platonicamente.

Final infeliz

Olharam-se com total indiferença,naquela noite fatídica.Sequer imaginavam que tudo findaria,antes mesmo até da chegada costumeira dos bem-te-vis,que sempre cantavam alvoroçados no topo da mangueira em frente à janela,todas as manhãs. Ela,ainda sonhava, e suspirava de amor,assistindo a novela das oito, colocando-se no lugar da protagonista. Sonhava com aquele beijo trocado alí na tela.Um beijo que nunca recebera dele, em todos aqueles longos anos de convivência.Ele, nada percebia.Nada sentia.Nada esperava.Não mais queria saber de sonhos. De tão estático que estava, parecia flutuar. Ela fingia que nada via, e ele fingia que ainda queria viver. Com um sorriso mal disfarçado, ele caminhou até a cozinha, abriu a gaveta do armário angustiado e silenciou.Sentiu que bastaria apenas o mover de sua mão,a coragem , a força, e a terra giraria ao seu favor, enfim,libertando-o.
Ela,ainda sonhando, levantou-se após o término da novela, e tomou uma decisão intrépida.Decidiu que o beijaria,como nunca o beijou em toda sua vida.Naquela madrugada,decidiu beijá-lo com sofreguidão,sem temer recusa.
Foi até ele com passos arteiros,  e sutilmente o  beijou. Ofereceu-lhe mais um beijo, e mais um, mais um,  beijando-o até cansar.Ele respondeu-lhe  então,com total frieza,e com o perpétuo silêncio que a vida enfim, lhe havia agraciado.
Naquela madrugada,ninguém ouviu o gorjear dos bem-te-vis.